'Será difícil competir com o Ceará', diz CEO da usina de hidrogênio verde; confira entrevista
04/03/2021

Diálogo Econômico: Em entrevista exclusiva, CEO e diretor de operações da Enegix, empresa australiana que investirá US$ 5,4 bilhões no Ceará para construção de uma usina de hidrogênio verde, dão mais detalhes do projeto e apontam perspectiva de ter a planta com 100% de operação em 2025

O mais novo investimento privado no Ceará, anunciado pelo Governo do Estado há duas semanas, deverá impulsionar o mercado de energias renováveis local. Segundo os executivos da Enegix, empresa australiana que irá aportar US$ 5,4 bilhões, o empreendimento tem o potencial de transformar o Estado no maior produtor de hidrogênio verde do mundo.

Em entrevista exclusiva ao Sistema Verdes Mares, Wesley Cooke, CEO da Enegix, e Marco Stacke, diretor de operações da empresa, afirmam que o novo investimento tem o potencial de garantir um retorno financeiro ao Ceará, no futuro, semelhante aos ganhos da Arábia Saudita a partir da exploração e produção de petróleo. 

Apesar de ser uma empresa relativamente nova, entrando em um mercado ainda pouco explorado no mundo, a Enegix já definiu as possíveis estratégias de expansão no Brasil, que deverá ter o Ceará como base principal. Segundo as perspectivas dos executivos, a planta deverá estar completamente funcional no fim de 2025, mas a operação poderá ter início ainda no fim de 2022. 

Em detalhes, Cooke e Stacke destacaram a importância do ambiente de negócios no Ceará e a infraestrutura estabelecida pelo Governo do Estado no Porto do Pecém como pontos definidores para a decisão de implantar uma usina de hidrogênio verde.

Confira a entrevista com Wesley Cooke e Marco Stacke na íntegra

O que chamou a atenção da EnegiX para fazer um investimento no Ceará?  

Wesley Cooke: Esse projeto estava sendo planejado há mais de 2 anos e meio e, de uma perspectiva baseada no hidrogênio e em energias renováveis, nós fizemos uma busca global para achar o melhor lugar para fazer esse investimento. Especificamente sobre o hidrogênio, nós estávamos procurando um local com alta capacidade energética com altas eficiências, e precisávamos de tudo isso em larga escala para fazer o que pretendemos.  

Vários países têm uma capacidade de produzir energias renováveis, mas quando falamos sobre energia eólica e solar nem todos os países são iguais, e o Ceará tinha várias coisas de que precisávamos: acesso em larga escala ao potencial energético; e um porto de águas profundas, como o Pecém, onde poderíamos construir grande estrutura para a usina. Essa localização é muito importante para focar no mercado de exportação.

Estamos olhando vários mercados importantes na Ásia, na Europa, na África, e nas Américas, e no Ceará, o que nós acreditamos é que será muito difícil competir com essa localização no futuro do mercado global, até porque acreditamos que conseguiremos produzir o hidrogênio verde com melhor custo benefício do mundo aqui.

Já contratamos 3,5 gigawatts de potência de energias renováveis, a partir de projetos de 8 GW que podemos acessar aqui no Ceará, mas, além disso, na região do Porto do Pecém, há mais 100 GW de capacidade que não haviam sido identificados até pouco tempo atrás. Um dos membros do nosso time foi fantástico nesse processo de identificar essa capacidade de geração eólica, que não tem comparação em lugar nenhum do mundo.  

Para o hidrogênio verde, você precisa de energia renovável para mostrar ao mundo que isso ajuda a reduzir as emissões de gás carbônico, mas você também precisa desse alto potencial energético e um lugar estratégico para o mercado de exportação e nós acreditamos que nós temos, no Ceará, o melhor do mundo

Marco Stacke: Nossa equipe calculou que o Ceará tem um potencial de 100 GW de potência eólica offshore e o fator de capacidade solar é muito grande também. E mesmo quando você não tem energia solar ou eólica, você tem o grid (de energia) do Brasil que é praticamente água, a base de hidroelétricas, então podemos ter um fator de capacidade muito alto e isso nos dá a chance de escalar um projeto para até 100 GW, que a capacidade inteira do Brasil é de 124 GW, então estaríamos praticamente duplicando a capacidade do País inteiro só no Ceará. Mas qual o problema disso tudo? Quando você tem tanta energia você precisa de uma linha de transmissão até os consumidores, mas nós não precisamos de linhas de transmissão porque vamos exportar o hidrogênio, então vamos ter uma linha de transmissão virtual.  

Vamos pegar a energia, transformar em hidrogênio, levar para Europa e lá ele pode ser transformado de novo em energia, então teremos uma linha de transmissão virtual para a Europa.

Nosso consumidor não é só no Brasil, é na Europa, nos Estados Unidos, no Japão. E a localização do Ceará é espetacular, fora o fato de ter um porto excelente, que é operado com Roterdã. O Ceará é um dos poucos lugares no mundo onde preenchemos "todas as caixas necessárias".  

Sobre o Pecém, qual o peso das estruturas já erguidas no Porto para a definição de trazer os investimentos da usina ao Ceará?   

W: Quando estávamos buscando uma localização para investir na Usina, nós encontramos todas as melhores condições no Ceará, considerando, também, um porto de águas profundas, que é o Pecém, que ainda tem uma parceria com o Porto de Roterdã. Acreditamos que há um trabalho fantástico nessa localização, que é perfeita, além de estratégica para o mercado de exportação.  

M: Temos um porto muito grande no Ceará, onde já separaram 500 hectares para a gente, o que é ótimo, e temos  a ZPE (Zona de Processamento de Exportação), onde temos vários incentivos fiscal, além de termos uma localização estratégica. 

Como tem sido o relacionamento da EnegiX com o Governo do Estado e qual a avaliação da empresa em relação ao ambiente de negócios no Ceará?  

W: O nosso diálogo com o Estado começou no ano passado, e esse tem sido um período desafiador para qualquer governo no mundo por conta da pandemia de Covid-19, e no Brasil acreditamos que a recuperação após a pandemia será muito importante. Uma coisa que descobrimos logo no início do projeto foi que o secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado, Maia Júnior, e a equipe dele, de quem nos aproximamos primeiro, sempre estiveram muito abertos.

O Ceará sempre esteve muito aberto para o setor de inovação e de energias renováveis, então ao passo que vamos entrando em uma nova economia e reduzindo as emissões de carbono no mundo, claramente, o Governo do Estado tem uma ótima visão sobre o potencial do País e o que o Ceará pode representar no mercado internacional. Estamos muitos felizes com as conversas do Estado, e acho que temos o projeto perfeito para combinar com esse entusiasmo deles para o futuro do mercado de energias renováveis no Ceará.  

Quando iniciamos a conversa com o Estado, nós dissemos: "vocês têm um potencial enorme, mas e se a gente integrasse esse potencial ao nosso modelo de negócios?". Podemos transformar esse potencial energético em hidrogênio, que é um ótimo jeito de estocar energia, e que nós podemos transformar de forma eficiente exportando para o mundo.

Pelo outro lado, temos um mercado em expansão em que podemos aplicar nosso conceito com zero emissões de gás carbônico, que é baseado em reenergizar o hidrogênio atrás de turbinas de gás. Tudo que posso dizer é que estamos muito felizes com a parceria com o Governo do Estado e isso pode consolidar o Ceará no mercado de energias renováveis e como um centro tecnológico no setor de hidrogênio verde

Qual a avaliação do ambiente de negócios no Ceará comparado ao Brasil?  

W: A gente não tem explorado muito outros estados para fazer uma comparação precisa, mas sobre o Ceará, podemos dizer é que o Estado está aberto aos negócios, com certeza.  

M: Por ter nascido no Rio de Janeiro, nós podemos ver que o Ceará tem um potencial muito grande de energias renováveis, assim como outros estados. Você poderia construir o mesmo investimento no Rio Grande do Norte, mas lá nós não teríamos um porto de águas profundas, não teríamos a ZPE com os incentivos empresariais, e não teríamos Maia Júnior e a equipe da Sedet.

Poderíamos construir no Rio Grande do Norte, mas não conseguiríamos exportar a partir de lá. O que estamos planejando é que, se expandirmos tanto quanto queremos no futuro aqui no Ceará, nós poderemos, em 10 anos, quem sabe, expandir para o Rio Grande do Norte, para o Piauí, mas o porto ainda será no Pecém. O Ceará será a nossa base para o hidrogênio no nordeste brasileiro.

W: Há um incentivo global muito grande no mercado de energias renováveis, com governos e empresas olhando para como será o desenvolvimento do mercado. Ninguém quer ser o último a entrar na festa, depois que todas as cadeias foram organizados e os fornecedores de tecnologia foram garantidos. E o que estamos vendo são vários governos buscando usinas de produção de hidrogênio e tentando buscar opções de fornecimento e de onde comprar esse combustível.

Tudo isso vai depender do preço e da escala, sendo que você pode produzir hidrogênio de qualquer lugar do mundo usando energia solar ou eólica, outras fontes de energia. Mas dado o cenário global, produzir hidrogênio verde, sem emissões de carbono, é essencial, e no Ceará nós já poderíamos começar a produzir agora. Acho que o nosso projeto será iniciado muito rapidamente e isso é muito importante porque poderemos atender a demanda global de acordo com a evolução dela em qualquer nível.  

Estamos buscando fechar, nos próximos 12 meses, contratos de compra de energia no mundo inteiro, principalmente em localidades onde o diesel é usado como base, mesmo sendo um combustível caro e poluente.  

M: Nosso projeto pode se tornar o maior do mundo de redução de emissões de carbono. O Base One, como chamamos, vai evitar que 10,8 milhões de toneladas de CO2 sejam emitidas na atmosfera por ano.

Qual a previsão de início de operação do projeto da EnegiX no Ceará?  

W: Nesse momento, podemos dizer que já assinamos memorandos de entendimento com parceiros internacionais e estamos finalizando processos. Nós assinamos um memorando com uma consultoria global do setor de engenharia e o que precisamos fazer, agora, é iniciar nosso estudo de viabilidade focado no nosso modelo de negócios, que começaremos ainda neste ano e que deverá levar cerca de 8 meses. O objetivo é olhar para todo o projeto e organizar todos os fornecedores e mercados, o que deve ser fundamental para que possamos fechar parcerias e negócios de venda do hidrogênio e da compra de energia.

Em paralelo, vamos trabalhar nas licenças estaduais enquanto nossa sede global está sendo transferida para a Suiça. Nós somos registrados na Austrália, temos um braço em Singapura e estaremos, agora, na Suiça, e com a ajuda de uma firma internacional, que tem um braço no Brasil, nós vamos registrar a nossa empresa no Ceará. Tudo isso acontecerá em paralelo ao estudo de viabilidade e nossa busca por mercados a partir do nosso modelo de negócios, que pode gerar usinas de até 100 GW de potência sem nenhuma emissão de carbono. 

Devemos concluir o estudo de viabilidade no quarto trimestre deste ano e nesse período vamos conversar com o mercado para a compra de energia para os iniciais 3,5 GW que precisamos. Depois disso, nós poderemos, tecnicamente, passar a pensar no projeto de financiamento, e então iniciar a fase de construção. Mas a tecnologia virá de grandes empresas internacionais, e faremos anúncios importantes nos próximos meses sobre isso. Essa tecnologia será modular, então poderemos iniciar a produção de forma muito rápida, escalando enquanto produzimos.  

M: Esse equipamento vem pronto para produzir. Assim podemos escalar a produção de forma muito rápida. Não é como uma siderúrgica, em que é preciso construir tudo para começar a produzir. Se tivermos energia e água, vamos começar a produzir hidrogênio e escalar a partir daí. Já temos um fornecedor independente de energia no Brasil, que tem 8 GW de energia solar e eólica para ser ofertada a partir de 12 meses. Então basta entrarmos em contato com eles, que eles irão ofertar energia para a nossa usina em até um ano, podendo escalar muito rapidamente.  

W: 40% do projeto será construído no primeiro ano, 70% no segundo ano, e em 3 anos devemos ter 100% do projeto concluído e operacional. Então, realisticamente, no fim de 2022 já começaremos a produzir. E a fase inicial de produção com 3,5 GW deve começar no fim de 2025. O mercado de hidrogênio está crescendo rápido e se pensarmos o hidrogênio como commodity, podemos fechar contratos de 1 a 2 anos, mas se pensamos ele reenergizado, como projeto energético, nós podemos pensar em contratos de 20 anos, algo que está integrado ao nosso modelo de negócios, apostando em mercados em desenvolvimento que ainda usam fontes de energia à base de diesel, por exemplo.  

governo da Alemanha está buscando ampliar o mercado de hidrogênio no mundo para importar o produto para mudar um pouco da matriz energética. A Enegix já está em contato com a Alemanha ou outros países para negociar negócios de exportação? 

M: Quando exportarmos o hidrogênio, nós podemos, sim, usá-lo como combustível, mas nós poderemos ter uma capacidade maior do que a demanda no mercado porque o potencial da nossa usina é de 600 milhões de quilos de hidrogênio verde por ano, o que é muito. Então, mesmo que não haja demanda, nós podemos retransformá-lo em energia e vender assim.

Mesmo que não haja demanda por hidrogênio, nós seremos independentes dela, pois iremos reenergizar esse hidrogênio sem emitir carbono para usar em mercados que são baseados em diesel em regiões da África ou da Ásia, por exemplo. Nosso hidrogênio será muito competitivo com o diesel e outras formas atuais de energia.  

W: Há discussões internacionais acontecendo agora, com parceiros que nos ajudarão a acessar o mercado europeu, mas não podemos discutir isso agora e teremos anúncios no futuro.  

Qual a capacidade de produção energética do Base One? 

W: Fizemos um cálculo baseado na nossa planta inicial, que terá 3,5 GW, usando nosso modelo de negócios para reenergizar o hidrogênio, em localidades na África e na Ásia, poderíamos fornecer energia, 7 dias por semana e baseado no consumo atual desses locais, para mais de 200 milhões de pessoas nesses mercados em desenvolvimento.

 

Fonte: Diário do Nordeste